Amor Livre (parte 1)
Sobre os modos de ver e amar o cinema.
Eu mencionei no meu post anterior que comecei na especialização em estudos cinematográficos, não? Pois é, finalmente tentando formalizar e organizar algumas informações que reuni no decorrer destes anos de trabalho, procurando transformá-las em, quem sabe, conhecimentos. Vamos ver no que dá...
A movitação deste texto de agora partiu da aula inaugural do curso, ministrada por João Luiz Vieira, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense. Confesso que demorei um pouco pra entrar no ritmo a princípio lento, mas que logo (talvez por conta da tomada de ritmo do próprio palestrante) a coisa ficou muito interessante. Um dos pontos abordados – e que certamente será assunto polêmico durante todo o decorrer do curso – é o advento das chamadas “novas mídias”, que crescem vertiginosamente e vão, aos poucos e aos muitos, modificando a nossa relação com a forma de arte mais significativa do século XX.
Os mais saudosistas clamavam pela preservação (conceitual ou ideológica, que seja) do “verdadeiro cinema”, aquela do evento social em que um grupo heterogêneo recém-reunido se reúne dentro de uma sala escura para se entregar totalitariamente a uma experiência estética audiovisual, diante de uma tela de cerca de 9 metros por 3, som preferencialmente em boas condições e uma cópia em película contendo inúmeros fotogramas subseqüentes sendo projetados rapidamente um após outro num único ponto, causando-nos a ilusão de uma única imagem em movimento.
Preocupação lícita – sem dúvida, trata-se de uma belíssima experiência, que aos nossos tempos e a outros também pode ser considerada até necessária para uma prática social que permita um aprofundamento estético de forma coletiva, uma reflexão múltipla simultânea, única e diversa ao mesmo tempo, numa imprevisível influência de percepção recíproca. Enfim, o cinema como ainda gostamos de conceber, como ainda enxergamos como ideal, como ainda amamos.
A contra-argumentação veio em forma de história – a justificativa antropológica de evitar a palavra “evolução” nos seus textos. Esta etimologicamente quer dizer, afinal, a “melhoria” na passagem de um estágio para outro. Ora, em ciências humanas (ou na percepção humana de processos das outras ciências), “melhoria” é um termo tão eventualmente relativo quanto freqüentemente arbitrário. Não se pode falar, por exemplo, de “evolução cultural”, já que inevitavelmente estaríamos usando um padrão de julgamento baseado num sistema de valores elegido (ou promulgado) como um “melhor”. É uma visão preconceituosa que invalida cientificamente um argumento.
Por isso, costuma-se falar de “desenvolvimento” – simplesmente o modo como as coisas aconteceram, sem atribuir um juízo de valor a este tipo de coisa. Esta perspectiva pode soar meio entreguista ou funcionalista, mas por outro lado pode evitar preconceitos na hora de analisar um certo processo histórico ou cultural. Como sempre, depende de como você aplica a coisa.
Então, se pensarmos, por exemplo, que o cinema se torna uma forma de arte depois de um avanço tecnológico, baseado numa série de descobertas científicas, e que a relação de apreciação e consumo do cinema vai mudando a cada nova técnica apresentada, é de se esperar que, num contexto em que o fluxo de informação é intenso, efêmero e extremamente veloz, não apenas as técnicas de apresentação, mas os próprios parâmetros de leitura sejam revistos e atualizados. No fim das contas, estamos evidentemente diante de uma mudança geral de pensamento, de como lidamos com nossas relações pessoais, interpessoais e sociais num ambiente de comunicação bastante complexo pra dizer o mínimo. Se isto pode porventura restringir um pouco da apreciação de que falávamos anteriormente, por outro lado pode abrir novas portas. A percepção é outra, e o que toca o sensorial e o sensitivo também vai ser novo.
Sempre fica a vontade de compartilhar o sentimento de uma experiência mais intensa, sem dúvida (falando sem saudosismo forçado e muito menos proselitista). Mas talvez estejamos mesmo diante de uma mudança histórica, em que o conceito de cinema, como toda arte, independente de nós, muda de forma autônoma, adaptando-se a gerações vindouras, enfim, sempre maior do que nós.
Cabe-nos acostumar-se ao fato ou ainda alguma resistência estética/altruísta? Bem, como de costume, o tempo dirá.
Eu mencionei no meu post anterior que comecei na especialização em estudos cinematográficos, não? Pois é, finalmente tentando formalizar e organizar algumas informações que reuni no decorrer destes anos de trabalho, procurando transformá-las em, quem sabe, conhecimentos. Vamos ver no que dá...
A movitação deste texto de agora partiu da aula inaugural do curso, ministrada por João Luiz Vieira, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense. Confesso que demorei um pouco pra entrar no ritmo a princípio lento, mas que logo (talvez por conta da tomada de ritmo do próprio palestrante) a coisa ficou muito interessante. Um dos pontos abordados – e que certamente será assunto polêmico durante todo o decorrer do curso – é o advento das chamadas “novas mídias”, que crescem vertiginosamente e vão, aos poucos e aos muitos, modificando a nossa relação com a forma de arte mais significativa do século XX.
Os mais saudosistas clamavam pela preservação (conceitual ou ideológica, que seja) do “verdadeiro cinema”, aquela do evento social em que um grupo heterogêneo recém-reunido se reúne dentro de uma sala escura para se entregar totalitariamente a uma experiência estética audiovisual, diante de uma tela de cerca de 9 metros por 3, som preferencialmente em boas condições e uma cópia em película contendo inúmeros fotogramas subseqüentes sendo projetados rapidamente um após outro num único ponto, causando-nos a ilusão de uma única imagem em movimento.
Preocupação lícita – sem dúvida, trata-se de uma belíssima experiência, que aos nossos tempos e a outros também pode ser considerada até necessária para uma prática social que permita um aprofundamento estético de forma coletiva, uma reflexão múltipla simultânea, única e diversa ao mesmo tempo, numa imprevisível influência de percepção recíproca. Enfim, o cinema como ainda gostamos de conceber, como ainda enxergamos como ideal, como ainda amamos.
A contra-argumentação veio em forma de história – a justificativa antropológica de evitar a palavra “evolução” nos seus textos. Esta etimologicamente quer dizer, afinal, a “melhoria” na passagem de um estágio para outro. Ora, em ciências humanas (ou na percepção humana de processos das outras ciências), “melhoria” é um termo tão eventualmente relativo quanto freqüentemente arbitrário. Não se pode falar, por exemplo, de “evolução cultural”, já que inevitavelmente estaríamos usando um padrão de julgamento baseado num sistema de valores elegido (ou promulgado) como um “melhor”. É uma visão preconceituosa que invalida cientificamente um argumento.
Por isso, costuma-se falar de “desenvolvimento” – simplesmente o modo como as coisas aconteceram, sem atribuir um juízo de valor a este tipo de coisa. Esta perspectiva pode soar meio entreguista ou funcionalista, mas por outro lado pode evitar preconceitos na hora de analisar um certo processo histórico ou cultural. Como sempre, depende de como você aplica a coisa.
Então, se pensarmos, por exemplo, que o cinema se torna uma forma de arte depois de um avanço tecnológico, baseado numa série de descobertas científicas, e que a relação de apreciação e consumo do cinema vai mudando a cada nova técnica apresentada, é de se esperar que, num contexto em que o fluxo de informação é intenso, efêmero e extremamente veloz, não apenas as técnicas de apresentação, mas os próprios parâmetros de leitura sejam revistos e atualizados. No fim das contas, estamos evidentemente diante de uma mudança geral de pensamento, de como lidamos com nossas relações pessoais, interpessoais e sociais num ambiente de comunicação bastante complexo pra dizer o mínimo. Se isto pode porventura restringir um pouco da apreciação de que falávamos anteriormente, por outro lado pode abrir novas portas. A percepção é outra, e o que toca o sensorial e o sensitivo também vai ser novo.
Sempre fica a vontade de compartilhar o sentimento de uma experiência mais intensa, sem dúvida (falando sem saudosismo forçado e muito menos proselitista). Mas talvez estejamos mesmo diante de uma mudança histórica, em que o conceito de cinema, como toda arte, independente de nós, muda de forma autônoma, adaptando-se a gerações vindouras, enfim, sempre maior do que nós.
Cabe-nos acostumar-se ao fato ou ainda alguma resistência estética/altruísta? Bem, como de costume, o tempo dirá.
5 Comments:
Talvez, esse desenvolvimento que subjaz a todo movimento artístico pode-nos mostrar uma possibilidade de mudança na percepção de quem cria(o "leitor") e de quem recebe(o efeito). As mudanças que ocorrem na arte, em seu curso histórico, a mim significam um acúmulo instrumental inelutável e irrefutável, gerador de possibilidades continuamente crescente, como o contínuo movimento expansor do universo, que gera essa sensação de "evolução". Mas, como tu muito bem disseste, "evolução" reduz o processo criativo a mudanças de paradigmas que estão diretamente relacionadas a dicotomia: evolução tecnológica sobrepujante ao passado x crescimento em grau de qualidade criativo. Essa equação explica o dinamismo existente em inúmeros setores de atividade humana, como na informática, nas técnicas arquitetônicas, nas engenharias, mas não alcança a arte. Nesta, as mudanças de paradigmas não podem ser traduzidas por uma equação tão simples. O complexo do qual ela é composta sofre, ou goza, de uma liberdade tão grande quanto aquele sistema expansor do universo, cujo movimento se dá para todos os lados.
Não conseguiríamos conceber uma vida sem o auxílio, atualmente vital, do computador, nem do automatismo das máquinas industriais. Quem conseguiria se adaptar novamente a um mundo sem celulares? Mas na arte, tal qual às "técnicas" utilizadas pelas mães suficientemente boas(como diria Winnicott), o passado não é nem poderia ser sobrepujado pelo futuro. Ao contrário, o passado está sempre presente na construção do novo, em arte. Não se trata de uma evolução, mas de um movimento contínuo onde tudo que se fez influenciará direta e indiretamente a criação do moderno, da vanguarda, dos novos paradigmas. Ou melhor, não só influenciará como também será utilizada na íntegra em muitos exemplos de arte moderna. Mas seria isto um retorno, um atraso? Não na arte. A leitura que se fazia, o efeito estético causado por uma pessoa que tinha o hábito de ouvir discos de vinil numa radiola, ha 30 anos pode ser comparado ao de alguém com semelhante hábito em pleno 2006? Ela seria chamada de "exótica" ha 30 anos, como muitos a classificariam, atualmente? O passado se torna material para o futuro. Se alguma coisa acontecer hoje, terá um efeito. Mas, se o mesmo fato ocorrer daqui a um ano, terá outro efeito. E se repetir em trinta anos, será um efeito também diferente. Esse fenômeno foi indispensável para que Pixinguinha aliasse sua interpretação moderna do chorinho, por exemplo, ao que já fora feito nessa mesma linguagem bem como a européia estética de música erudita.
O que se cria não pertence mais a ninguém, nem ao tempo ou geografia.
O material deixado pelo tempo, à guisa de interpretação, não morre. Pelo contrário, enriquece o universo de tal maneira que a equação paradigmática necessária à exposição dos ingredientes que compõem o processo artístico, poderia ser transformada em outra: passado + presente = raiz de futuro(elevado ao passado) x presente(elevado ao futuro)!!!
Bom, ainda bem que a arte é tão complexa quanto.
resumindo: o novo sempre vem...
Belo comentário, Diogo!
Mereceria um post em si, com comentários a respeito e tudo (cadê teu blog, pô?), mas o legal disso tudo é que posso partir dele quando for terminar a segunda parte deste post.
No mais, fico imaginando que bicho vai dar essa tua equação sugerida no final. Exercício de reflexão bem interessante, por sinal...
Grande abraço,
L
se a nova tecnologia digital já chega a 1/3 da qualidade da película, inclusive conferindo uma certa profundidade de campo à imagem, e possibilita um som mais realista, ajudando na expeciência hipnótica do "real" no cinema, não vejo o de porquê tanta resistência. foi assim com o cinema mudo e em cores? não sei...
só quanto a forma de exibição não estou certo... gosto da projeção em tela branca, considero o efeito interessante para os olhos e para o cérebro. mas pode não ser o ideal, quem vai saber?
po, deixar comentário após diogo é brincadeira... hehe
Léo,
mais amor livre menos equações?
bjs
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