21 abril 2006

As razões do embargo

Porque resolvi boicotar o Cine PE este ano.

Esta semana encontrei vários amigos pela rua ou nas habituais farras recifenses – um pouco escassas por conta do recente volume intenso de trabalho – e todos me perguntam sobre o evento-mor da cidade esta semana depois do Abril Pro Rock: o Cine PE – Festival do Audiovisual, antigo Festival de Cinema do Recife, praticamente em sua décima edição se não levarmos em conta a mudança do nome. Para todos, respondi que estava boicotando o Cine PE este ano; statement que coloquei também como nick no Messenger. E a próxima pergunta sempre era, naturalmente, “por quê”? Ou variações disso.

Enfim, aqui vão as razões, muito embora se trate de um embargo um pouco atrapalhado, já que o ideal seria escrever este texto e divulgá-lo antes do evento. Mas como não tive mesmo tempo e como já tinha decidido que não modificaria minha vida por conta do festival, estou escrevendo hoje mesmo – mais como dever cívico, como homem de cultura procurando ser atuante e defendendo uma visão ideológica específica, do que como alguém que se sente na obrigação de prestar esse tipo de justificativa social.

Antes de tudo, queria deixar claro que respeito o trabalho dos organizadores do evento, e que não desmereço o esforço feito nestes dez anos; o trabalho, o fato em si. O que eu discordo, aí sim, radicalmente, é de como esse trabalho é conduzido. Basicamente, acho que o Festival acontece pelos motivos errados – como muitos festivais ao redor do mundo. Mas como cineasta e cinéfilo, não posso ficar satisfeito diante de uma postura claramente voltada para o único aspecto da atividade artística que não me interessa: a glamurização. Já é evidente a pouca preocupação com o que é exibido nestes dez anos. Seleções cheias de concessões para contar com este ou aquele convidado, ligações políticas a que estamos já habituados, enquanto um cuidado maior com a programação e a própria qualidade da exibição fica meio capenga.

Assim, deixo uma crítica, espero que construtiva, à própria postura dos organizadores em relação à concepção de cultura, inclusive a pernambucana. A impressão que eu tenho é que se aceita um modelo tipo exportação de manifestações culturais, coisa para turista médio ver. Na boa, acho que Pernambuco tem muito mais a oferecer do que isso. Tem, inclusive, uma comunidade significativa de cinéfilos críticos, da qual poderíamos tirar partido e chegar num meio-termo (que seja!) de programação como um importante papel de formação de público.

À parte disso, há também um cenário de realização audiovisual ímpar, com pessoas de diversas tendências de estilo, diversidade expressiva de uma cultura por si diversa, o que poderia redundar numa nova concepção de formatos, mas que também pressuporia uma maior diversidade de peças selecionadas para as mostras, para permitir um intercâmbio cultural mais rico.

Uma gafe que evidencia a pouca ciência que o evento tem disso é uma declaração que a diretora do evento fez na coletiva para a imprensa local: “O Festival só começa mesmo na segunda, quando chegam os convidados”. Bom, o detalhe é que o festival, inclusive sua competitiva de curtas, já iria começar um dia antes, no domingo, sem a presença de um dos jurados, inclusive. Acho isso um desrespeito para com os realizadores, e conseqüentemente com o público, sobretudo os que estiveram presentes no domingo. Por sinal, os dois curtas pernambucanos em competição passaram, de fato, naquele dia.

Parece que há uma preocupação maior em não fazer feio diante de celebridades, bem como tirar partido da presença delas, do que propriamente proporcionar ao público e aos realizadores uma programação de qualidade em todos os aspectos. E como público e realizador que sou, preciso dizer que me sinto meio agredido às vezes, e lamento muito ver tanto potencial de alcance cultural desperdiçado numa visão tosca de evento artístico.

Sei que tudo isso é chatice da minha parte, e talvez não deva ser tomada como nada além disso. Quem quiser tirar algo disso que tire. Eu só acho que não temos que repetir parâmetros ao pensar um festival nosso, representativo do que queremos ver e fazer na tela. E esses parâmetros eventualmente estabelecidos por nós devem ser coerentes com o que somos; devem refletir, portanto, diversidade, profundidade, expressividade, trabalho, e tantas outras coisas que nos venhamos a considerar.

12 Comments:

Anonymous Anônimo said...

concordo. parei de ir faz uns 8 anos. ano passado fui num momento de exceção apenas pra rever um curta em que tinha trabalhado fazendo a trilha, mas durante toda a exibição o canal da mesa que abria a trilha ficou fechado. ganhei mais um bom motivo pra continuar nao indo: meu mau humor com a situação amadora que se deu...

8:38 PM  
Anonymous Anônimo said...

salve o embargo! salve! você não está só com suas impressões.
*Janaina

11:01 PM  
Anonymous Anônimo said...

Léo,

Concordo totalmente contigo. Também me incomoda essa estrutura "star system" do evento. Adorei o teu texto: super claro e coerente.

Me incomoda também ver coisas péssimas como aquele filme da Kátia Mesel, que entra no evento por ser "pernambucano"...

Enfim, acho que estamos ficando velhos, chatos e ranzinzas... ;-)

abraço
Thiago Soares

3:43 AM  
Blogger GÊNERO CINEMATOGRÁFICO said...

Léo...
vc não tem mesmo que se desculpar culpando sua "chatice" ou mesmo valorizando alguns aspectos do "profissionalismo" dos organizadores. É isso mesmo e pronto.
O Cine PE é um evento comercial como qualquer outro voltado para celebrização, o que rende maior retorno no momento e que falta com o respeito para com os realizadores sim pq não é um evento voltado para eles. Simples. Talvez qdo não se está concorrendo se tenha mais clareza do que este evento reperesenta. Talvez esta circunstância favoreça um olhar mais crítico. Talvez um "embargo" como esse (eu tb não fui e ñ vou ...tb ñ havia pensado q se tratava de embrago...hehe)e um texto público a respeito vindo de um realizador como vc seja mais interessante do que o evento com se apresenta. Ah claro, dizem que as mesinha do lado de fora são o melhor do festival.
abraços,
cynthia

7:38 AM  
Anonymous Anônimo said...

Observar o glamour recifense é bem engraçado, um evento a parte. A galera viaja mesmo, se arruma toda e acha que está indo para Gramado. A bertine produções tem esse perfil de glamourizar a coisa, em detrimento da qualidade do evento. Fui ontem ao cine pe, e era triste ver os frequentes erros na exibição dos filmes, os desfoques na tela, as imagens lavadas, a má equalização do som. Fui três dias esse ano ao festival, não me arrependo, mas vejo a decadência do festival, teriam muitas críticas que contabilizadas poderiam ser só um post a parte. Não me solidarizei com Leo, até porque alguns curtas só teria a chance de viver lá mesmo, mas gostaria de ver esse evento mais discutido, para ser melhorado, já que ao completar 10 anos, a tendência de tudo é cresçer qualitativamente, pois estagnar e se copntentar com o status quo obtido é regressão. Valeu pela discussão instigada Leo, e espero que os organizadores do evento não fechem os olhos para o discontentamento.

10:27 AM  
Anonymous Anônimo said...

Eu acho (e é um achismo apenas) que é uma das muitas materializações da parte ruim da cultura pernambucana... as pessoas se importam mais com a repercução daquilo que fazem do que se importam com a coisa em si.

Nossa sociedade local, provinciana e fútil se porta assim desde sempre. Não que isso seja justificativa, mas é nesse meio que vivemos.

Acredito que seus argumentos poderiam ter sido levados a público antes do festival. Poderia ter causado maior reflexão.

Enfim, vale a crítica, não importa a hora!

Abração!

11:09 AM  
Anonymous Anônimo said...

Concordo que as críticas são pertinentes, mas discordo da forma dada ao embargo. Penso que seria mais produtivo (inclusive para a organização do festival)se esta discussão fosse feita previamente - o que dá para recuperar para os anos vindouros. Mas também acho que não ir ao festival não é a solução. Pouca gente fica sabendo ou notando a ausência, e o impacto das razões justificadoras não aparecem para o grande público. Assim, sugiro que o boicote venha através de posicionamentos no próprio espaço de ocorrência do evento. Isto seria mais proveitoso, acredito, para todos: organizadores, cineastas e público. Tânia.

4:16 PM  
Anonymous Anônimo said...

Faço das tuas as minha palavras Léo. Adorei a reflexão.
Fiquei estressada ao ver tanta besteira!
Nada contra os realizadores. Mas é que a gente passa o ano todinho esperando o festival pra isso...
Publica no texto ou manda para listas, inclusive a da ABD.
Conte comigo!
Amanda Nascimento

1:40 PM  
Anonymous Anônimo said...

Não fui e pelo visto não perdi muita coisa...que o festival esteja aberto para anônimos e celebridades...mas que todos estejam alí para acompanhar e se deliciar com obras diversas, modernas, embasadas, de diferentes perfis e com o olhar apontado para si e para o mundo. E sem flashes na platéia, por favor.

10:42 PM  
Anonymous Anônimo said...

Léo,

Nunca fui ao cine-pe (nem ao festival de cinema). Motivo: muita gente, pouco interesse em cinema, muito ôba-ôba. Gostaram do rótulo de maior público nos festivais e querem é que entupa o teatro. Nada mais.

Quanto ao que Tânia falou, boicote pode ser não aparecendo ou panfletando. Prefiro não aparecer. Panfletar dá mais Ibope pra um evento desses. Além do que, conheço pencas de pseudocríticos que comparecem a estes eventos todos os anos pra meter o pau, mas sempre vão. Coisa estranha...

Da minha parte, nos dias em que quero assistir a algo legal, assisto na minha casa ou num cineminha em horário beeeeemmm fim de noite.

Muito infeliz a frase de Sandra.

Resumindo: tô contigo e não abro.

Xêro,

9:26 PM  
Anonymous Anônimo said...

Sábias palavras, como sempre.

8:24 AM  
Anonymous Anônimo said...

Também não passei nem perto do "Cine-PE" este ano, em parte pq estava ocupada com coisas emergenciais e por certa desmotivação mesmo. No ano passado fiquei muito decepcionada com o nível da apresentação do festival. A Graça Araújo, mesmo, babando as grandes produções e dando aquele ar de glamour... eca!
Concordo com vc, especialmente sobre a nossa diversidade de expressividade e a necessidade desse intercâmbio...

Grande abraço!

10:38 PM  

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