Modernidade Ultrapassada
Recentemente me descobri tecnófobo.
Pra quem não sabe, trabalho com um meio que era tecnologia antes de se tornar arte: o Cinema. E por curiosidade intelectual, pragmatismo de produção e vontade de viabilizar coisas, terminei me envolvendo com um conhecimento um pouco mais aprofundado de certos procedimentos técnicos, em várias etapas da complexa cadeia de produção cinematográfica. Essa “fama” que eu terminei criando advinda dessa curiosidade – ou necessidade de tomar as rédeas dos meus projetos artísticos – terminou me tornando, entre outras coisas, professor universitário e diretor de desenvolvimento e tecnologia do Sindicato Audiovisual de Pernambuco. Vai entender por quê...
De toda forma, isso não tira o fato de que, apesar de compreender os processos e até ter um domínio tal que me permita dar pitaco, a transição para certas rotinas assim ditas “pós-modernas” ainda é lenta e dolorosa. Isso de baixar música, filmes e tudo o que der na telha, por exemplo; isso de ter um celular, de cadastrar fulano por fulano com fotos e toques personalizados a cada ligação; isso de dar um upgrade no meu velho IBM Aptiva 97, que vinha funcionando perfeitamente (pelo menos para o pouco de tecnologia que exploro) por conta de novos e ameaçadores vírus e por conta das mil e uma possibilidades que só as tecnologias recentes oferecem; isso de criar uma auto-disciplina que garanta a atualização freqüente do seu blog sem a pressão útil de um editor cobrando seu texto ( mea culpa, prometo tentar ser mais assíduo nos novos posts); enfim, toda essa lógica de obsolescência inevitável a que estamos cotidianamente submissos.
Pois é, confesso essa minha condição. Isto porque não se trata apenas de compreender os novos processos técnicos – esta é a parte fácil. Complicado mesmo é organizar os novos processos pessoais para lidar com isso, para aproveitar isto da melhor forma possível. Enfim, trata-se de algo bem mais difícil para a espécie humana: reformular seus hábitos.
E aí coincidiu, paralela, perpendicular ou tangente a esta minha descoberta (sempre fiz confusão também com geometria), que eu estava também reformulando minhas atividades profissionais. Pensei, valendo-me de algum estudo, trabalho e interesse nas mídias e formatos (técnicos e de linguagem) que estão surgindo, tentar aplicar meu conhecimento narrativo a este novo contexto de mídia. Também sucedeu que o webzine que abrigava a coluna de mesmo nome que terminou virando este blog foi finalizado e que eu, como se não tivesse mais nada pra fazer, decidi tentar meu mestrado este ano.
Enfim, muita coisa acontecendo ao mesmo tempo, e dada a notória velocidade do fluxo de informações e acontecimentos do que alguns convencionam chamar de pós-modernidade terminaram me fazendo pensar que não vou dar conta do recado. Achei que a desculpa de ser tecnófobo ia me confortar – afinal de contas, é questão de hábito, é só fazer um texto menor, conceder algumas licenças de linguagem, simplifica, Leonardo! Mas o conflito pra adquirir esses hábitos acabou me deixando mais inquieto ainda.
Pra relaxar, fui começar a estudar pra elaborar meu projeto de mestrado – sendo sobre narrativas mais convencionais, não parecia ser tão ruim. O negócio é que, justamente pra entender linguagens narrativas no contexto em que estamos hoje, é inevitável compreender os mecanismos culturais dessa tal de pós-modernidade. Aí lá vou eu me perder em leituras sobre o assunto.
Uma das primeiras características que descobri foi que, do ponto de vista de observação e produção de um eventual conhecimento, a modernidade está constantemente se reinventando. Isto cobra do cara do lado de cá que está estudando uma postura eterna de avaliação e auto-avaliação. Quais minhas referências culturais que ainda sobrevivem neste contexto? Como elas são aplicadas a ele? O que acrescentam e de que se acrescentam? Enfim, em busca de respostas, parece que nos fazemos mais perguntas, e talvez seja mesmo melhor não pensar muito a respeito.
Mas como venho de uma geração (ou de um contexto cultural, por escolha ou herança) que necessita concluir pelo menos momentaneamente as coisas, vou tentar escrever mais um ou dois parágrafos, procurando não encher muito o saco. Nem que a conclusão seja a constatação de que não há uma conclusão, que esta é a lógica pós-moderna, essa cultura de conceitos líquidos que se tornam sínteses antes de formarem princípios. Afinal, logo enfrentaremos problemas práticos. Um exemplo: se a TV chegar a se tornar uma mídia tão interativa como se espera, que utilidade terá o investimento num comercial de 30 segundos de um pequeno, médio ou mesmo grande anunciante? E mesmo em contextos de mídia já existentes, como as TVs por assinatura, como definir o perfil do receptor da mensagem? Enfim, para que público falamos?
Engraçado que hoje de manhã conversava com um amigo sobre essa questão de público. Ele acredita piamente que o público pode ser “formado”, mais do que “rastreado”: remake de “Sinhá Moça” com textura digitalizada de cinema, intercâmbio de elementos de linguagem e o diabo a quatro. No entanto, ao invés de isso tornar mais fácil o trabalho dos emissores da mensagem, acho que pode ser mais laborioso – e é bom que assim seja. De toda forma, qualquer linguagem parece ser possível, desde que comunique algo expressivo e significativo.
E se for assim, bem, sem querer ser idealista ou ingênuo, acho que essa coisa toda pode ser interessante, mesmo para um tecnófobo.
Pra quem não sabe, trabalho com um meio que era tecnologia antes de se tornar arte: o Cinema. E por curiosidade intelectual, pragmatismo de produção e vontade de viabilizar coisas, terminei me envolvendo com um conhecimento um pouco mais aprofundado de certos procedimentos técnicos, em várias etapas da complexa cadeia de produção cinematográfica. Essa “fama” que eu terminei criando advinda dessa curiosidade – ou necessidade de tomar as rédeas dos meus projetos artísticos – terminou me tornando, entre outras coisas, professor universitário e diretor de desenvolvimento e tecnologia do Sindicato Audiovisual de Pernambuco. Vai entender por quê...
De toda forma, isso não tira o fato de que, apesar de compreender os processos e até ter um domínio tal que me permita dar pitaco, a transição para certas rotinas assim ditas “pós-modernas” ainda é lenta e dolorosa. Isso de baixar música, filmes e tudo o que der na telha, por exemplo; isso de ter um celular, de cadastrar fulano por fulano com fotos e toques personalizados a cada ligação; isso de dar um upgrade no meu velho IBM Aptiva 97, que vinha funcionando perfeitamente (pelo menos para o pouco de tecnologia que exploro) por conta de novos e ameaçadores vírus e por conta das mil e uma possibilidades que só as tecnologias recentes oferecem; isso de criar uma auto-disciplina que garanta a atualização freqüente do seu blog sem a pressão útil de um editor cobrando seu texto ( mea culpa, prometo tentar ser mais assíduo nos novos posts); enfim, toda essa lógica de obsolescência inevitável a que estamos cotidianamente submissos.
Pois é, confesso essa minha condição. Isto porque não se trata apenas de compreender os novos processos técnicos – esta é a parte fácil. Complicado mesmo é organizar os novos processos pessoais para lidar com isso, para aproveitar isto da melhor forma possível. Enfim, trata-se de algo bem mais difícil para a espécie humana: reformular seus hábitos.
E aí coincidiu, paralela, perpendicular ou tangente a esta minha descoberta (sempre fiz confusão também com geometria), que eu estava também reformulando minhas atividades profissionais. Pensei, valendo-me de algum estudo, trabalho e interesse nas mídias e formatos (técnicos e de linguagem) que estão surgindo, tentar aplicar meu conhecimento narrativo a este novo contexto de mídia. Também sucedeu que o webzine que abrigava a coluna de mesmo nome que terminou virando este blog foi finalizado e que eu, como se não tivesse mais nada pra fazer, decidi tentar meu mestrado este ano.
Enfim, muita coisa acontecendo ao mesmo tempo, e dada a notória velocidade do fluxo de informações e acontecimentos do que alguns convencionam chamar de pós-modernidade terminaram me fazendo pensar que não vou dar conta do recado. Achei que a desculpa de ser tecnófobo ia me confortar – afinal de contas, é questão de hábito, é só fazer um texto menor, conceder algumas licenças de linguagem, simplifica, Leonardo! Mas o conflito pra adquirir esses hábitos acabou me deixando mais inquieto ainda.
Pra relaxar, fui começar a estudar pra elaborar meu projeto de mestrado – sendo sobre narrativas mais convencionais, não parecia ser tão ruim. O negócio é que, justamente pra entender linguagens narrativas no contexto em que estamos hoje, é inevitável compreender os mecanismos culturais dessa tal de pós-modernidade. Aí lá vou eu me perder em leituras sobre o assunto.
Uma das primeiras características que descobri foi que, do ponto de vista de observação e produção de um eventual conhecimento, a modernidade está constantemente se reinventando. Isto cobra do cara do lado de cá que está estudando uma postura eterna de avaliação e auto-avaliação. Quais minhas referências culturais que ainda sobrevivem neste contexto? Como elas são aplicadas a ele? O que acrescentam e de que se acrescentam? Enfim, em busca de respostas, parece que nos fazemos mais perguntas, e talvez seja mesmo melhor não pensar muito a respeito.
Mas como venho de uma geração (ou de um contexto cultural, por escolha ou herança) que necessita concluir pelo menos momentaneamente as coisas, vou tentar escrever mais um ou dois parágrafos, procurando não encher muito o saco. Nem que a conclusão seja a constatação de que não há uma conclusão, que esta é a lógica pós-moderna, essa cultura de conceitos líquidos que se tornam sínteses antes de formarem princípios. Afinal, logo enfrentaremos problemas práticos. Um exemplo: se a TV chegar a se tornar uma mídia tão interativa como se espera, que utilidade terá o investimento num comercial de 30 segundos de um pequeno, médio ou mesmo grande anunciante? E mesmo em contextos de mídia já existentes, como as TVs por assinatura, como definir o perfil do receptor da mensagem? Enfim, para que público falamos?
Engraçado que hoje de manhã conversava com um amigo sobre essa questão de público. Ele acredita piamente que o público pode ser “formado”, mais do que “rastreado”: remake de “Sinhá Moça” com textura digitalizada de cinema, intercâmbio de elementos de linguagem e o diabo a quatro. No entanto, ao invés de isso tornar mais fácil o trabalho dos emissores da mensagem, acho que pode ser mais laborioso – e é bom que assim seja. De toda forma, qualquer linguagem parece ser possível, desde que comunique algo expressivo e significativo.
E se for assim, bem, sem querer ser idealista ou ingênuo, acho que essa coisa toda pode ser interessante, mesmo para um tecnófobo.
8 Comments:
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
Também sou contemplada por tal mal (será?), a tecnofobia. Meu celular é dos mais precários, daqueles que só recebem e fazem chamada. Penso “pra que mais...”, se, sei, me esquivaria às demais funções. Me faz falta a função lembretes, que tinha no roubado e não no atual (que, por sinal, é mais antigo que o antigo), mas tento voltar à época que sabia dos compromissos de cor e me privo daquele comodismo. Me acordo pensando no que tenho que fazer, sem esperar que um alarme soe e me dou, de vez em quando, ao prazer de me esquecer das coisas, o que me faz inconseqüente ou não, a depender do que esqueço.
Tem um monte de coisas no meu pc que nem sei pra onde vai. Serventia mesmo: word e explorer, e ainda tem um monte de coisa do word que eu aboliria. Tenho aversão a tanta tecnologia porque tudo muda ao sopro leve, e a gente tem que se ir reciclando. Mas reciclar, aqui, é quase que jogar fora. Às vezes, mais parece um aperfeiçoar que se desfaz de todo o resto. Reservo-me, então, ao meu celular que só recebe e faz...
A pós-modernidade é um cenário caótico. É um em sendo que nunca se completa. Síntese sempre atrelada a uma antítese imediatamente subseqüente. É essa conversa sem voz de postar um comentário. É esse falar de si, ao indagar se é possível. É esse alastrar de possibilidades que nos faz árvores com galhos diminutos e outros mais altos, que chegam a alcançar a luz do sol (cineasta, professor, futuro mestrando, o irmão, o amigo. E haja papéis! E haja persona! Quem mais receberá luz? Qual será a máscara mais bem-feita? A propósito, as máscaras mais nos desmascaram que nos encobrem. Mais nos revelam que nos escondem). A modernidade é este caos que busca o cosmos: de modo singelo, é um pensamento mal elaborado como este meu, que nasce e termina incompleto.
Excelente texto, Leo... não é à toa que você representa a nova geração de roteiristas e cineastas com bastante respaldo de público e crítica.
Abração.
Ps: como faço para ver o seu curta de "como as coisas funcionam"?
O máximo Leo. Sempre leio o que você escreve e nunca comento, são tantas idéias, tantas questões que vc levanta e eu fico... só "gerando", como diz um amigo... (risos!).
E esse mestrado.. vem num momento maravilhoso, você que já tem tanta experiência e, ao mesmo tempo, um futuro brilhante pela frente.
:) Bjo.
Fico pensando nessa coisa de linguagem... No cordel da TV Digital por exemplo, que tá ai gerando muita polêmica e discussão, me parece ter atingido exatamente seu objetivo.
Maravilhoso ouvir a poesia, pensar sobre o teor de seu conteúdo político e humano, assistir ao vídeo que a própria Luciana Rabelo montou, utilizando-se de diversas fontes de imagens.
Arte, cultura e informação completamente integradas, isso é mesmo um adeus à fragmentação cartesiana, pois é movida por uma paixão a vida, indignação política e fundamentos bem lógicos.
Assim como você Leo, que fez todo esse artigo com alto nível de implicação do seu ser, afetado e afetando, não mais como aquela distância positivista entre sujeito-objeto, mas sim como uma pessoa assumidamente humana, inquieta com aquilo que lhe toca os sentidos.
O vídeo do cordel pode ser visto no: www.midiaindependente.org
Olá,vi seu blog por acaso.Ótimo texto.Reflete a minha realidade,não sou totalmente aversa a tecnologia mas me sinto confusa diante das inúmeras novidades que nos são apresentadas todos os dias.Como estudante de publicidade, sinto que não posso ficar para trás.Bem, vou pelo menos tentar.
Teconofobia ou fobia ao consumo e desenfreado, devorador de eus e nós?
Parece que quem não tem medo de tecnologia é exatamente quem não a reconhece como fundamental.Eis o paradoxo!
Poucos podem ter. Muitos são obrigados a possuir. Pouquíssimos desfrutam dos resultados. Filosofia pequenoburguesa X humanista.
Grande Léo que do Lugar Comum partiu para Todo Lugar.
abçs
Cynthia
oi, léo. compartilho da sua fobia, às vezes penso se isso é preguiça ou nostálgico apego ao passado. constatei que se está ficando "velho" quando se tem mais prazer nas coisas de antes do que as de agora. eis o meu estado.
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