Da limitação e suas possibilidades ilimitadas
(publicado no blog coletivo Oito Nós)
Bom, além deste blog aqui, fui recentemente convidado a fazer parte de um blog coletivo conhecido como Oito Nós (http://oitonos.blogspot.com), cujos temas semanais propostos por membros do grupo são explorados por oito pessoas através de textos. Depois, não sei bem o que acontece, vamos ver como tudo se comporta. Bom, o tema da semana é "Imperfeição". Em princípio, achei ruim. É meu primeiro texto pro grupo e já começamos com isso. Puxa, seria legal falar sobre os méritos ao invés dos deméritos, pra começar, não? Ou sobre Cinema, estética, narrativa, enfim, alguma coisa que domino – se bem que de imperfeição eu acho que entendo, assim como todo mundo. Afinal de contas, ninguém é perfeito mesmo, o que talvez signifique dizer que todo mundo é imperfeito, se adotarmos a assertiva anterior como verdade. Mesmo assim, se a condição humana for a imperfeição, e seja isto que porventura nos diferencie dessa coisa chamada Deus que ninguém viu, mas jura que existe, então ser imperfeito é a condição humana perfeita e por aí vai. Hmm... Talvez seja o caso simplificar, e partir do senso comum, o mesmo que estabelece lá que ninguém é perfeito, ou que todo mundo é imperfeito, enfim. Dessa concepção aí, tinha iniciado a escrever um artigo para a minha coluna ‘Leitor Ótico’ no webzine Vitrolaz (que a esta altura pode ainda existir ou não, mas que de toda forma virou meu primeiro blog: http://leitor-otico.blogspot.com ). Aproveito, então, pra retomar o texto. Lembrando só que sou novo nessa história de blog e que provavelmente este texto vai ser super-extenso – vou tentar encurtar, mas sabem como é, ninguém... Oh, well, vocês sabem.
Bom, acho que se a gente pudesse colocar a história da arte num gráfico que medisse simetria, estrutura e rigor (por muito tempo, características que condicionavam a perfeição na arte), haveria uma curva vertiginosa para cima, um pico ali por volta do Renascimento, depois um período de estabilização até chegarmos ao Neo-Classicismo, em meados do Século XIX. Aí, a partir de alguns pintores românticos como Bacon e do advento do Impressionismo, a coisa começaria a degringolar, a linha indo abaixo vertiginosamente. Primeiro, vão-se os traços limitadores das formas, deixando as pinceladas mais soltas – valendo-se da certeza científica de que enxergamos luz, e não os objetos em si. Logo em seguida, temos, só pra se ter uma idéia, Seurat pintando com pontos, Gauguin e Toulouse-Lautrec com suas distorções e estilizações anatômicas e Van Gogh com toda a sorte de hiperbolização estilística. Daí pra rediscutir-se tudo sobre proporções, matizes, contrastes, temáticas até, foram pequenos pulinhos.
Cito só uma concepção artística proposta por Piet Mondrian pouco mais de meio século depois: a perfeição da obra de arte pictórica está em explorar os extremos das formas (contraste, composição, matiz). Foi aí que ele chegou naquelas composições em vermelho, amarelo e azul, limitadas por linhas pretas dispostas em ângulos retos sobre fundos brancos, que depois foram vulgarizadas em tecidos para vestidos e cortinas. Passado o interesse e a aplicação da novidade, a arte perfeita segundo Mondrian podia rapidamente ser muito chata. De toda forma, se compararmos com o conceito de perfeição artística vigente durante o período do Neo-Classicismo, em que as proporções das formas figurativas deveriam ser rigorosamente respeitadas segundo modelos convencionados, e que as cores deveriam ser suaves, para não chocar o olhar, e que as composições levavam em consideração o equilíbrio entre ângulos retos e linhas diagonais fundando as perspectivas, bem, constataremos que há uma diferença extrema.
Sem dúvida, o alto rigor estético de outrora foi cedendo lugar a formas menos rígidas, porém dotadas de uma alta força expressiva. A “imperfeição”, por assim dizer, termina guiando a intensidade da expressão humana, justamente porque faz cair os padrões que abrandam as emoções, e trazem à luz o novo, o inusitado, o peculiar.
O mesmo processo pode ser presenciado nas outras formas de arte. O Cinema, por exemplo, esta forma de arte que desde o início estava ligada a um apuro técnico ímpar (o domínio de um aparato tecnológico era indispensável), sem falar na aplicação equilibradíssima de outras formas de arte, hoje temos toda a parte de cinema digital revelando um pequeno universo de histórias que se contrapõe à linguagem clássica, estabelecendo parâmetros cada vez mais próprios e variantes. Em relação à música, só pra exemplificar, enquanto escrevo este texto estou escutando a banda britânica Belle & Sebastian, com vocais que estão o tempo todo no limite da afinação aplicados a um range de técnicas instrumentais bastante limitado, se formos pensar no único aspecto do virtuosismo.
Coloca-se, aí, um dilema: os erros, imperfeições, digamos, dessas peças, esses mesmos que as tornam altamente expressivas e são cada vez mais permitidos para deixarem-nas cada vez mais expressivas e por aí vai, bem, até que ponto eles vão chegar? Como diferenciar uma quebra lícita de parâmetros de uma evidente inconsistência de estilo? Enfim, abrangendo esta pergunta para um esquadro um pouco maior: o que se configura, neste atual ambiente de relações e sensações tão efêmeras, como uma imperfeição?
Não queria cair no clichê conclusivo de que tudo é permitido, até porque, estabelecendo isto como verdade, enfrentaríamos problemas éticos em certas instâncias (a Ética, aliás, é um dos paradoxos filosóficos contemporâneos em meio a toda esta concepção exagerada de ‘respeito ao indivíduo’). Como fazer, então? Voltar aos parâmetros anteriores, em que uma formação mínima era requerida para atuar aqui ou ali? Mas como estabelecer estes parâmetros mínimos?
Parece que nos colocamos numa puta encrenca quando falamos sobre imperfeição. Dentre tantas outras contradições, parece que a imperfeição, de cara, nos coloca a necessidade de ter parâmetros próprios. E aí voltamos a discutir gosto, e comparar parâmetros, talvez. Falamos de coisas como deslocamentos de virtuosismo, dissonância conceitual, erros propositais expressivos, enfim. Talvez a tônica seja mesmo a coerência contextual, que por si só é extremamente difícil de estabelecer.
Pra não perder muito a linha, talvez o ideal seja mesmo juntar um monte de amigos num blog coletivo e discutir o assunto. Ou postar comentários depois de ler um texto anacrônico qualquer...
Bom, além deste blog aqui, fui recentemente convidado a fazer parte de um blog coletivo conhecido como Oito Nós (http://oitonos.blogspot.com), cujos temas semanais propostos por membros do grupo são explorados por oito pessoas através de textos. Depois, não sei bem o que acontece, vamos ver como tudo se comporta. Bom, o tema da semana é "Imperfeição". Em princípio, achei ruim. É meu primeiro texto pro grupo e já começamos com isso. Puxa, seria legal falar sobre os méritos ao invés dos deméritos, pra começar, não? Ou sobre Cinema, estética, narrativa, enfim, alguma coisa que domino – se bem que de imperfeição eu acho que entendo, assim como todo mundo. Afinal de contas, ninguém é perfeito mesmo, o que talvez signifique dizer que todo mundo é imperfeito, se adotarmos a assertiva anterior como verdade. Mesmo assim, se a condição humana for a imperfeição, e seja isto que porventura nos diferencie dessa coisa chamada Deus que ninguém viu, mas jura que existe, então ser imperfeito é a condição humana perfeita e por aí vai. Hmm... Talvez seja o caso simplificar, e partir do senso comum, o mesmo que estabelece lá que ninguém é perfeito, ou que todo mundo é imperfeito, enfim. Dessa concepção aí, tinha iniciado a escrever um artigo para a minha coluna ‘Leitor Ótico’ no webzine Vitrolaz (que a esta altura pode ainda existir ou não, mas que de toda forma virou meu primeiro blog: http://leitor-otico.blogspot.com ). Aproveito, então, pra retomar o texto. Lembrando só que sou novo nessa história de blog e que provavelmente este texto vai ser super-extenso – vou tentar encurtar, mas sabem como é, ninguém... Oh, well, vocês sabem.
Bom, acho que se a gente pudesse colocar a história da arte num gráfico que medisse simetria, estrutura e rigor (por muito tempo, características que condicionavam a perfeição na arte), haveria uma curva vertiginosa para cima, um pico ali por volta do Renascimento, depois um período de estabilização até chegarmos ao Neo-Classicismo, em meados do Século XIX. Aí, a partir de alguns pintores românticos como Bacon e do advento do Impressionismo, a coisa começaria a degringolar, a linha indo abaixo vertiginosamente. Primeiro, vão-se os traços limitadores das formas, deixando as pinceladas mais soltas – valendo-se da certeza científica de que enxergamos luz, e não os objetos em si. Logo em seguida, temos, só pra se ter uma idéia, Seurat pintando com pontos, Gauguin e Toulouse-Lautrec com suas distorções e estilizações anatômicas e Van Gogh com toda a sorte de hiperbolização estilística. Daí pra rediscutir-se tudo sobre proporções, matizes, contrastes, temáticas até, foram pequenos pulinhos.
Cito só uma concepção artística proposta por Piet Mondrian pouco mais de meio século depois: a perfeição da obra de arte pictórica está em explorar os extremos das formas (contraste, composição, matiz). Foi aí que ele chegou naquelas composições em vermelho, amarelo e azul, limitadas por linhas pretas dispostas em ângulos retos sobre fundos brancos, que depois foram vulgarizadas em tecidos para vestidos e cortinas. Passado o interesse e a aplicação da novidade, a arte perfeita segundo Mondrian podia rapidamente ser muito chata. De toda forma, se compararmos com o conceito de perfeição artística vigente durante o período do Neo-Classicismo, em que as proporções das formas figurativas deveriam ser rigorosamente respeitadas segundo modelos convencionados, e que as cores deveriam ser suaves, para não chocar o olhar, e que as composições levavam em consideração o equilíbrio entre ângulos retos e linhas diagonais fundando as perspectivas, bem, constataremos que há uma diferença extrema.
Sem dúvida, o alto rigor estético de outrora foi cedendo lugar a formas menos rígidas, porém dotadas de uma alta força expressiva. A “imperfeição”, por assim dizer, termina guiando a intensidade da expressão humana, justamente porque faz cair os padrões que abrandam as emoções, e trazem à luz o novo, o inusitado, o peculiar.
O mesmo processo pode ser presenciado nas outras formas de arte. O Cinema, por exemplo, esta forma de arte que desde o início estava ligada a um apuro técnico ímpar (o domínio de um aparato tecnológico era indispensável), sem falar na aplicação equilibradíssima de outras formas de arte, hoje temos toda a parte de cinema digital revelando um pequeno universo de histórias que se contrapõe à linguagem clássica, estabelecendo parâmetros cada vez mais próprios e variantes. Em relação à música, só pra exemplificar, enquanto escrevo este texto estou escutando a banda britânica Belle & Sebastian, com vocais que estão o tempo todo no limite da afinação aplicados a um range de técnicas instrumentais bastante limitado, se formos pensar no único aspecto do virtuosismo.
Coloca-se, aí, um dilema: os erros, imperfeições, digamos, dessas peças, esses mesmos que as tornam altamente expressivas e são cada vez mais permitidos para deixarem-nas cada vez mais expressivas e por aí vai, bem, até que ponto eles vão chegar? Como diferenciar uma quebra lícita de parâmetros de uma evidente inconsistência de estilo? Enfim, abrangendo esta pergunta para um esquadro um pouco maior: o que se configura, neste atual ambiente de relações e sensações tão efêmeras, como uma imperfeição?
Não queria cair no clichê conclusivo de que tudo é permitido, até porque, estabelecendo isto como verdade, enfrentaríamos problemas éticos em certas instâncias (a Ética, aliás, é um dos paradoxos filosóficos contemporâneos em meio a toda esta concepção exagerada de ‘respeito ao indivíduo’). Como fazer, então? Voltar aos parâmetros anteriores, em que uma formação mínima era requerida para atuar aqui ou ali? Mas como estabelecer estes parâmetros mínimos?
Parece que nos colocamos numa puta encrenca quando falamos sobre imperfeição. Dentre tantas outras contradições, parece que a imperfeição, de cara, nos coloca a necessidade de ter parâmetros próprios. E aí voltamos a discutir gosto, e comparar parâmetros, talvez. Falamos de coisas como deslocamentos de virtuosismo, dissonância conceitual, erros propositais expressivos, enfim. Talvez a tônica seja mesmo a coerência contextual, que por si só é extremamente difícil de estabelecer.
Pra não perder muito a linha, talvez o ideal seja mesmo juntar um monte de amigos num blog coletivo e discutir o assunto. Ou postar comentários depois de ler um texto anacrônico qualquer...
2 Comments:
Aí eu leio blogs assim como o teu e vejo a total inutilidade do meu que insiste em existir a 5 anos. =P
Gostei um bocado.
Nice dispatch and this post helped me alot in my college assignement. Say thank you you as your information.
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