31 janeiro 2009
A frase-título deste post faz referência a um momento muito particular do filme citado no post anterior, As 5 obstruções. Aqui estou usando como motor para uma rápida reflexão.
Hoje eu quase quebrei meus óculos, caindo bêbado no sofá de casa depois de ter chegado de uma festa. Ia me deitando esquecido que eles estavam no meu rosto, quando meu flatmate alertou para tirá-los, já em franco movimento descendente. Consegui salvá-los bem a tempo, minha cabeça caindo no sofá logo após tê-los removido com a mão direita. Foi por muito pouco!
Mas isso não me fez pensar a respeito das habilidades que desenvolvemos quando estamos em estado alterado. Lembrei apenas como eu gosto dos meus óculos, e seria um transtorno muito grande ficar sem eles. Isto porque a moda atual dita que os óculos em geral devem ser daqueles retangulares e estreitos; óculos de aro arredondado como os meus já não são encontrados com tanta facilidade. Digo por experiência própria: já faz algum tempo que procuro para fazer meus óculos de reserva e não encontro.
Pois é, por mais que a gente esteja num tempo em que a pluralidade é a regra, ainda temos que conviver com certas ditaduras de estilo. Parece que a moda continua demodê. Tomara que ela se pós-modernize logo...
28 janeiro 2009
Estado Crítico
Até pouco tempo atrás, eu tinha uma reação estranha a certos filmes muito bons: vinha um forte pensamento de nunca poder realizar algo tão maravilhoso quanto eles, o que resultava num desânimo imediato em relação ao meu trabalho. A um dado momento, tive a sorte de passar algumas outras experiências que me fizeram entender que o melhor a fazer é ser humilde o bastante para apenas fazer o seu, sem se pautar tanto na comparação com outras obras, primas ou não. Diga-se de passagem, uma coisa é a referência, outra é a influência e outra ainda é o juízo de valor a partir delas. Particularmente, me vêm à memória duas dessas experiências — dois filmes, pra ser mais exato.
O primeiro é "As 5 obstruções" (De Fem benspænd, 2003), um filme em que Lars von Trier divide a direção com seu objeto de estudo documental — o seu conterrâneo Jørgen Leth. No processo de documentação de um jogo criativo bem peculiar, os dois diretores fazem um lindo debate sobre arte e expressão. Naturalmente, o filme me marcou muito, e quando me peguei pensando que nunca faria algo tão bom e que seria melhor parar, um outro pensamento se apressou em se contrapor à minha autodepreciação megalomaníaca: esse filme só dá ainda mais vontade de fazer cinema.
O mesmo pensamento positivo me assaltou numa sessão mais recente: a estréia no Recife do filme "Crítico" (2008), de Kleber Mendonça Filho. Sendo o autor de natureza dupla, ele investiga com paixão a relação entre realização e crítica, o que no fim das contas é uma chave de leitura do "conflito" entre artista e público. Foi maravilhoso dar ouvidos aos dois lados, o que me faz constatar que a crítica é também, a exemplo de um filme, uma exposição de seu autor. No fim das contas, todos têm, em maior ou menor medida, um amor especial pelo cinema. E assim arte e público crescem juntos.
Este último, por sinal, me fez constatar que, numa operação de avaliação estética de uma obra cinematográfica, não é apenas o cineasta que está exposto, mas também o crítico. Seu texto é sua obra, seu parecer é tão revelador quanto o trabalho do diretor que está avaliando. Lembrei dessa constatação porque estive recentemente em um festival e vi muitos colegas se queixando a respeito de um certo crítico, que de fato escrevia mal. Não pude sentir nenhum tipo de fúria por ele, mesmo ele tendo evidentemente achado meu filme ruim (uma coisa, aliás, não tem nada a ver com a outra, muito embora a maioria das pessoas ache que sim); o máximo que fiz foi lamentar que sua visão crítica ainda fosse tão superficial e presa a estereótipos — sim, o crítico também tem estereótipos e clichês. Pessoalmente, como realizador, acho que não há nada melhor do que uma boa crítica, ainda que destrutiva mesmo.
Uma pena que, mesmo no âmbito da crítica, seja difícil escapar do lugar-comum. Fico com os dois exemplos citados, emblemas perfeitos de uma relação sadia entre arte e apreciação.
O primeiro é "As 5 obstruções" (De Fem benspænd, 2003), um filme em que Lars von Trier divide a direção com seu objeto de estudo documental — o seu conterrâneo Jørgen Leth. No processo de documentação de um jogo criativo bem peculiar, os dois diretores fazem um lindo debate sobre arte e expressão. Naturalmente, o filme me marcou muito, e quando me peguei pensando que nunca faria algo tão bom e que seria melhor parar, um outro pensamento se apressou em se contrapor à minha autodepreciação megalomaníaca: esse filme só dá ainda mais vontade de fazer cinema.
O mesmo pensamento positivo me assaltou numa sessão mais recente: a estréia no Recife do filme "Crítico" (2008), de Kleber Mendonça Filho. Sendo o autor de natureza dupla, ele investiga com paixão a relação entre realização e crítica, o que no fim das contas é uma chave de leitura do "conflito" entre artista e público. Foi maravilhoso dar ouvidos aos dois lados, o que me faz constatar que a crítica é também, a exemplo de um filme, uma exposição de seu autor. No fim das contas, todos têm, em maior ou menor medida, um amor especial pelo cinema. E assim arte e público crescem juntos.
Este último, por sinal, me fez constatar que, numa operação de avaliação estética de uma obra cinematográfica, não é apenas o cineasta que está exposto, mas também o crítico. Seu texto é sua obra, seu parecer é tão revelador quanto o trabalho do diretor que está avaliando. Lembrei dessa constatação porque estive recentemente em um festival e vi muitos colegas se queixando a respeito de um certo crítico, que de fato escrevia mal. Não pude sentir nenhum tipo de fúria por ele, mesmo ele tendo evidentemente achado meu filme ruim (uma coisa, aliás, não tem nada a ver com a outra, muito embora a maioria das pessoas ache que sim); o máximo que fiz foi lamentar que sua visão crítica ainda fosse tão superficial e presa a estereótipos — sim, o crítico também tem estereótipos e clichês. Pessoalmente, como realizador, acho que não há nada melhor do que uma boa crítica, ainda que destrutiva mesmo.
Uma pena que, mesmo no âmbito da crítica, seja difícil escapar do lugar-comum. Fico com os dois exemplos citados, emblemas perfeitos de uma relação sadia entre arte e apreciação.
19 janeiro 2009
Boas-vindas
Aproveitando a chuva pra escrever. Por representar o vazio, o cinza do dia é sempre inspirador...
* * *
Primeiro post do ano, tentando me disciplinar (tarefa difícil!) pra conjugar este compartilhamento de impressões com a empenhativa vivência que as fornece. Um amigo meu, no intuito de me ajudar a escrever coisas mais curtas e mais constantes, até me sugeriu fazer um twitter. Como qualquer tecnófobo que se preze, repliquei: "o que é um twitter?" "Uma espécie de miniblog que você pode alimentar a partir de várias mídias — até mesmo do seu celular." "Acho sofisticado demais pra mim." Nestas horas, noto que já faz algum tempo que estou soando como um velho. Costumo repetir que o que vale é o espírito: o meu deve estar com uns 85, mais ou menos.
* * *
Conversando com uma amiga que está morando na Cidade do Porto, Portugal, revelei que um dos meus principais projetos este ano é tirar férias. Se você ler meu último post do ano passado vai entender que isso não acontece já faz algum tempo, de modo que temo pela integridade do universo em executar algo tão paradoxal. E nesta pequena brincadeira de onipotência, eu disse estar mais preocupado em tirar minhas férias em julho do que com a integridade do universo: "já que estamos na pós-modernidade, em tempos de subjetividade absoluta, dane-se o universo, pelo menos por um momento". Especulando as possíveis consequências, ela imaginou ser este o motivo de estar nevando no Porto depois de 22 anos. "Seria o universo dando as boas-vindas à pós-modernidade?" Bem, quando comecei a escrever este post, chovia torrencialmente no Recife — o que me faz pensar que as boas-vindas não sejam tão "boas" assim. De toda forma, a seu modo, o universo está recepcionando esta assim chamada pós-modernidade, ou este nosso tempo, que seja. Como já foi dito por aqui, no entanto, os tempos são os tempos.
* * *
E é isto, por enquanto. Vou tentar manter observações e comentários curtos, intercalando com as verborragias mentais de costume. Nesta semana ainda, vou postar um artigo que escrevi para o portal de música da Prefeitura do Recife, sobre música no cinema. E assim vamos trocando.
E como estamos ainda em janeiro, bom ano pra todos!...