28 janeiro 2009

Estado Crítico

Até pouco tempo atrás, eu tinha uma reação estranha a certos filmes muito bons: vinha um forte pensamento de nunca poder realizar algo tão maravilhoso quanto eles, o que resultava num desânimo imediato em relação ao meu trabalho. A um dado momento, tive a sorte de passar algumas outras experiências que me fizeram entender que o melhor a fazer é ser humilde o bastante para apenas fazer o seu, sem se pautar tanto na comparação com outras obras, primas ou não. Diga-se de passagem, uma coisa é a referência, outra é a influência e outra ainda é o juízo de valor a partir delas. Particularmente, me vêm à memória duas dessas experiências — dois filmes, pra ser mais exato.

O primeiro é "As 5 obstruções" (De Fem benspænd, 2003), um filme em que Lars von Trier divide a direção com seu objeto de estudo documental — o seu conterrâneo Jørgen Leth. No processo de documentação de um jogo criativo bem peculiar, os dois diretores fazem um lindo debate sobre arte e expressão. Naturalmente, o filme me marcou muito, e quando me peguei pensando que nunca faria algo tão bom e que seria melhor parar, um outro pensamento se apressou em se contrapor à minha autodepreciação megalomaníaca: esse filme só dá ainda mais vontade de fazer cinema.

O mesmo pensamento positivo me assaltou numa sessão mais recente: a estréia no Recife do filme "Crítico" (2008), de Kleber Mendonça Filho. Sendo o autor de natureza dupla, ele investiga com paixão a relação entre realização e crítica, o que no fim das contas é uma chave de leitura do "conflito" entre artista e público. Foi maravilhoso dar ouvidos aos dois lados, o que me faz constatar que a crítica é também, a exemplo de um filme, uma exposição de seu autor. No fim das contas, todos têm, em maior ou menor medida, um amor especial pelo cinema. E assim arte e público crescem juntos.

Este último, por sinal, me fez constatar que, numa operação de avaliação estética de uma obra cinematográfica, não é apenas o cineasta que está exposto, mas também o crítico. Seu texto é sua obra, seu parecer é tão revelador quanto o trabalho do diretor que está avaliando. Lembrei dessa constatação porque estive recentemente em um festival e vi muitos colegas se queixando a respeito de um certo crítico, que de fato escrevia mal. Não pude sentir nenhum tipo de fúria por ele, mesmo ele tendo evidentemente achado meu filme ruim (uma coisa, aliás, não tem nada a ver com a outra, muito embora a maioria das pessoas ache que sim); o máximo que fiz foi lamentar que sua visão crítica ainda fosse tão superficial e presa a estereótipos — sim, o crítico também tem estereótipos e clichês. Pessoalmente, como realizador, acho que não há nada melhor do que uma boa crítica, ainda que destrutiva mesmo.

Uma pena que, mesmo no âmbito da crítica, seja difícil escapar do lugar-comum. Fico com os dois exemplos citados, emblemas perfeitos de uma relação sadia entre arte e apreciação.
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