02 março 2008

Metal Sutil

Reflexões sobre estatuetas e gigantes de metal...

Como prometi, vou tentar fazer meus posts mais freqüentes, mesmo que sejam mais curtos. Aproveitando o Oscar deste ano, normalmente tão cheio de polêmicas e surpresas, pensei em comentar nada sobre a festa em si – este ano prejudicada em preparação pela longa greve de roteiristas –, pouco sobre alguns vencedores (considerando os poucos filmes que vi devido ao pouco tempo que infelizmente dispus), mas sobretudo algumas escolhas da Academia, que me suscitaram algumas reflexões sobre como o cinema, arte técnica por excelência, representa e reapresenta a nossa percepção da realidade. Nessa análise, entra também meu lado pessoal de quem não leva o Oscar tão a sério, mas que continua torcendo pelos seus favoritos, na eterna utopia de que um dia a indústria e a cinefilia possam convergir – quem não estiver interessado nessa parte, já que este blog não se propõe a ser um depositório de críticas, pode pular o próximo longo parágrafo, na boa.

A princípio, a escolha por Onde os fracos não têm vez (No country for old men, de Joel e Ethan Coen), me deixou muito feliz, bem como os prêmios de roteiro e direção. Sou fã praticamente incondicional dos Coen, quem me conhece sabe. Mas também sou um grande admirador do Paul Thomas Anderson, de Sangue Negro (There will be blood), descobrindo recentemente numa lista de discussão cinéfila que sou uma das 5 pessoas que gostou de Embriagado de amor (Punch Drunk Love, 2002). Confesso que, sabendo que os Irmãos Coen já haviam ganho melhor roteiro e caminhavam para o melhor filme, estava torcendo pelo Anderson, que nos presenteou com obras-primas como Boogie Nights e Magnolia. Enfim, de toda forma, foi legal ver dois representantes legítimos de um cinema americano independente (em estilo) subir no palco e discursar com certa desconfiança daquele universo glamourizado. Outra premiação que reconheço não se tratar de uma injustiça foi pra atriz coadjuvante. Tilda Swinton, sem dúvida, subiu cheia de méritos por sua atuação sutilíssima em Conduta de risco (Michael Clayton), aquele limite entre a pessoa que faz deliberadamente suas escolhas mais por sucumbir à pressão do sistema do que propriamente por falta de ética intrínseca. No entanto, eu estava torcendo pela Cate Blanchett (vencedora na mesma categoria em 2005 por The Aviator, de Scorcese, duas vezes candidata na noite), e por um único prêmio possível para um filme que gostei muito: I’m not there, de Todd Hayes. No mais, torci pela linda animação Persepolis, de Marjane Satrapi e Vincent Paronnaud, mesmo sabendo que Ratatouille, de Brad Bird, era a barbada da noite – era querer demais ir contra todo um gênero e um estilo estabelecido na indústria, ainda mais quando o filme é pelo menos razoável.

A maior injuriação veio mesmo nas categorias técnicas, o que me reporta às tais reflexões de que falei. Um amigo meu, que teve suas opiniões corroboradas por muitos do grupo com quem eu assistia à cerimônia, achou que o grande injustiçado da noite foi Transformers, de Michael Bay. Um dos favoritos em 3 categorias (efeitos visuais, edição de efeitos sonoros e som), terminou não levando nada – e meu amigo havia pontuado algo bem interessante: era possível sentir o peso do metal no asfalto, as engrenagens mutantes se encaixando, dando à nossa visão de um robô virtual completamente integrado à paisagem “real” um ar de verossimilhança que, mesmo na banalização de composições digitais no cinema atual, não deixa de ser impressionante.

Talvez a eventual injustiça cometida com Transformers e a conseqüente premiação de seus concorrentes nos revele algo, porém. Nas categorias de som, o metal sutil no asfalto perdeu para a emulação das situações assim vistas como reais de The Bourne Ultimatum, de Paul Greengrass. Parece que parte da técnica do cinema, desde sua gênese, ainda entra nessa tendência, a de traduzir o mais perfeitamente possível as nossas percepções sensorias na reprodução da tela, ao invés de assumir certas virtualidades e permitir a criação de novos efeitos, atribuindo-lhes uma realidade toda sua, algo tão comum nos nossos tempos (grande mérito, aliás, de um vencedor que um pouco inverteu essa lógica: Matrix, dos Irmãos Wachowsky, em 2000).

Em relação aos efeitos visuais, essa lógica parece completamente contraditória: o vencedor, The Golden Compass, de Chris Weitz, materializa o universo fantástico bastante peculiar do romance de Philip Pullman, tentando conjugar ciência e magia num mesmo contexto narrativo. Trata-se, de fato, de um mundo à parte, regido não pela nossa física materialista, mas por elementos mágicos que colocam a metafísica exposta como pressuposto. Em contraste com Transformers, mesmo dentro de uma concepção evidentemente e assumidamente ficcional, ele se distancia de uma emulação da percepção realista, praticamente admitindo dentro de si uma textura digital à qual nosso olhar já está tão familiarizado. A aceitação e assimilação dessas texturas é vista, muitas vezes, como um sinal dos tempos: trata-se de uma acomodação dos sentidos aos numerosos estímulos proporcionados pela invasão das novas mídias na cultura contemporânea.

Azar dos robôs alienígenas e do pelo-menos-competente Michael Bay: ao ser um emblema quase perfeito de um ponto de transição na história da percepção cinematográfica, ficou no meio-termo, e não se valeu de nenhum dos lados de sua intersecção. Tudo bem, o filme não é lá essas coisas mesmo.

1 Comments:

Blogger Felipe Teobaldo said...

Tua opinião pra a validação do oscar do Golden Compass passa pelo mesmo argumento do meu consolo por Transformers.

é verdade, esse é o paradoxo da emulação. Reproduzir as vezes leva pra um caminho diferente do criar.
O esforço pra criação do mundo de P.Pullman de repente pareceu maior que a grandeza de reprodução dos gigantes de metal.

e por maior que seja a birra, me parece que foi um azarão necessário. Quem sabe depois dessa tristesa, não melhorem as minhas queridas produções nerds futuras?

6:37 PM  

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