04 setembro 2006

Amor Livre (parte 1)

Sobre os modos de ver e amar o cinema.

Eu mencionei no meu post anterior que comecei na especialização em estudos cinematográficos, não? Pois é, finalmente tentando formalizar e organizar algumas informações que reuni no decorrer destes anos de trabalho, procurando transformá-las em, quem sabe, conhecimentos. Vamos ver no que dá...

A movitação deste texto de agora partiu da aula inaugural do curso, ministrada por João Luiz Vieira, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense. Confesso que demorei um pouco pra entrar no ritmo a princípio lento, mas que logo (talvez por conta da tomada de ritmo do próprio palestrante) a coisa ficou muito interessante. Um dos pontos abordados – e que certamente será assunto polêmico durante todo o decorrer do curso – é o advento das chamadas “novas mídias”, que crescem vertiginosamente e vão, aos poucos e aos muitos, modificando a nossa relação com a forma de arte mais significativa do século XX.

Os mais saudosistas clamavam pela preservação (conceitual ou ideológica, que seja) do “verdadeiro cinema”, aquela do evento social em que um grupo heterogêneo recém-reunido se reúne dentro de uma sala escura para se entregar totalitariamente a uma experiência estética audiovisual, diante de uma tela de cerca de 9 metros por 3, som preferencialmente em boas condições e uma cópia em película contendo inúmeros fotogramas subseqüentes sendo projetados rapidamente um após outro num único ponto, causando-nos a ilusão de uma única imagem em movimento.

Preocupação lícita – sem dúvida, trata-se de uma belíssima experiência, que aos nossos tempos e a outros também pode ser considerada até necessária para uma prática social que permita um aprofundamento estético de forma coletiva, uma reflexão múltipla simultânea, única e diversa ao mesmo tempo, numa imprevisível influência de percepção recíproca. Enfim, o cinema como ainda gostamos de conceber, como ainda enxergamos como ideal, como ainda amamos.

A contra-argumentação veio em forma de história – a justificativa antropológica de evitar a palavra “evolução” nos seus textos. Esta etimologicamente quer dizer, afinal, a “melhoria” na passagem de um estágio para outro. Ora, em ciências humanas (ou na percepção humana de processos das outras ciências), “melhoria” é um termo tão eventualmente relativo quanto freqüentemente arbitrário. Não se pode falar, por exemplo, de “evolução cultural”, já que inevitavelmente estaríamos usando um padrão de julgamento baseado num sistema de valores elegido (ou promulgado) como um “melhor”. É uma visão preconceituosa que invalida cientificamente um argumento.

Por isso, costuma-se falar de “desenvolvimento” – simplesmente o modo como as coisas aconteceram, sem atribuir um juízo de valor a este tipo de coisa. Esta perspectiva pode soar meio entreguista ou funcionalista, mas por outro lado pode evitar preconceitos na hora de analisar um certo processo histórico ou cultural. Como sempre, depende de como você aplica a coisa.

Então, se pensarmos, por exemplo, que o cinema se torna uma forma de arte depois de um avanço tecnológico, baseado numa série de descobertas científicas, e que a relação de apreciação e consumo do cinema vai mudando a cada nova técnica apresentada, é de se esperar que, num contexto em que o fluxo de informação é intenso, efêmero e extremamente veloz, não apenas as técnicas de apresentação, mas os próprios parâmetros de leitura sejam revistos e atualizados. No fim das contas, estamos evidentemente diante de uma mudança geral de pensamento, de como lidamos com nossas relações pessoais, interpessoais e sociais num ambiente de comunicação bastante complexo pra dizer o mínimo. Se isto pode porventura restringir um pouco da apreciação de que falávamos anteriormente, por outro lado pode abrir novas portas. A percepção é outra, e o que toca o sensorial e o sensitivo também vai ser novo.

Sempre fica a vontade de compartilhar o sentimento de uma experiência mais intensa, sem dúvida (falando sem saudosismo forçado e muito menos proselitista). Mas talvez estejamos mesmo diante de uma mudança histórica, em que o conceito de cinema, como toda arte, independente de nós, muda de forma autônoma, adaptando-se a gerações vindouras, enfim, sempre maior do que nós.

Cabe-nos acostumar-se ao fato ou ainda alguma resistência estética/altruísta? Bem, como de costume, o tempo dirá.
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