Estudos sobre a tristeza - cap. 4: do desencontro.
ERRANTES
Havia hibernado por pelo menos 7 horas. Dormiu tão profundamente que os sonhos nem chegaram a incomodar. Rápidos fragmentos eram o máximo: velhos amores beijando velhos amigos, peixes flutuantes voando ao seu lado por sobre uma floresta e uma ida à feira com sua avó ajudando-lhe a escolher as frutas, o que das temáticas lembradas lhe parecia a mais absurda. Nada que se sustentasse em nível equiparável às raras horas de sono que haviam se estabelecido como exceções nas suas noites recentes. Não era comum os sonhos lhe deixarem dormir.
E como se os sonhos não lhe oferecessem substrato suficiente, executou seu ritual eventualmente diário. Sentou-se ao café e se pôs a observar. Do café, era possível ler os pensamentos dos errantes. Interpretá-los, ao menos.
Havia uma menina na esquina da ponte. Ansiosa e de vermelho. Era evidente que esperava alguém e ficou evidente que este alguém não viria. Deve ter fumado uns 7 cigarros antes de sair dali.
Talvez esperasse o rapaz do outro lado da ponte, que olhava o rio não como se quisesse pular, mas como se quisesse fazer parte dele. Parecia estar com preguiça de existir. Parecia-lhe que às vezes nem o rio existia. Guardava uma certa nostalgia de tempos literários, quando o amor transmitia tuberculose ou pneumonia. Será que o órgão nevrálgico do amor eram os pulmões, e não o coração? Pelo peso dos seus suspiros, parecia óbvio — não fosse o aperto no peito, este invisível.
Não era o rapaz que ela esperava, afinal, pouco depois ela voltou com outro maço, num ângulo possível de enxergá-lo. E não era ela por quem perdia seu olhar: o rapaz gostava de rapazes, desde que não fosse ele mesmo. Enquanto procurava o isqueiro na bolsa, posicionando-se recostada ao mesmo poste de antes, balbuciava no vazio, antecipando frases que nunca seriam ditas. Acendeu o cigarro e retomou sua espera, olhou ocasionalmente para o homem sentado num banco próximo, desviando-se em seguida de volta ao vazio.
Estava absorto em sua leitura, mas não completamente. Apoiava o livro no encosto do banco com uma das mãos, liberando as coxas e o colo para uma cabeça imaginária, lendo um outro livro imaginário, acariciando-lhe distraidamente com seu corpo imaginário. Sua imaginação lhe bastaria, caso não sentisse acidentalmente uma falta da matéria, denunciada por derivações do olhar para o horizonte, e passeios no ar próximo com sua mão livre.
Havia pontos comuns entre os errantes: a cabeça baixa, erguendo-se apenas para procurar algo que nunca estava lá. O peso dos suspiros, o olhar se diluindo no infinito do horizonte, desintegrando qualquer intenção concreta, uma impaciência para com a existência, confronto contínuo entre constatações sobre sua brevitude e sua eterna fuga da finitude — uma fuga boba e covarde, pensavam os errantes, tão covarde quanto um egocentrismo mínimo, uma parca vontade de ser.
Mas a impaciência da menina da esquina, porém, era mítica, tão difícil quanto fácil de distinguir. Não era possível ler seus lábios, mas era possível destacar sua fúria quase incontida misturada com uma melancolia avassaladora, equilibrando (neutralizando?) seu comportamento de forma extremamente cruel. Vencida, finalmente, pelos cigarros e por uma lágrima, ela se foi definitivamente.
E do café, de repente a vista se tornou o horizonte, reconhecendo-se sozinha, o olhar caindo sobre a xícara vazia em meio a um suspiro pesado e uma taquicardia súbita. "Preciso tomar menos café", pensou.
Talvez devesse pensar menos.