30 junho 2009

Life Shift

Se você for ao primeiro post do ano, vai ver que nada do que eu tinha proposto pra mim de fato aconteceu. O que deveria marcar o fim de um tabu que já dura 15 anos (o de não ter férias, enfim) terminou se tornando um ano de mais trabalho ainda. Tudo bem, quem me conhece sabe que não sou de reclamar de trabalho, até gosto de uma maneira quase obsessiva, mas eu realmente esperava ter um tempinho pra descansar e espairecer um pouco. Este tempo terminou vindo dentro do trabalho, quando para me familiarizar com a linguagem teatral — na qual estou me aventurando por estes dias —, passei 10 dias no Rio de Janeiro vendo muita coisa boa e ruim. Por sorte, mais coisa boa mesmo.

 

Esta recente incursão no universo do teatro, que se deu tanto de forma prática (assistindo a peças e criando e trabalhando com os atores) quanto de forma teórica (criando tempo pra ler referências generosamente e competentemente dadas por pessoas queridas), me obrigou a estabelecer mais alguns parâmetros de criação mediante o trabalho em uma nova linguagem. Curiosamente, na minha cabeça a criação em teatro tem funcionado mais próxima da literatura do que do cinema, o que me fez ficar mais afeito às questões da palavra, seja esta prosaica ou poética. De fato, fiquei um pouco me lamentando de ter-me posicionado mais como prosista do que como poeta, daí toda a minha tendência prolixa neste espaço em detrimento de uma forma estética mais sintética, parece.

 

Enfim, viagens retóricas à parte, tenho me surpreendido com alguns momentos e comportamentos meus. Digamos que minhas expectativas pessoais também sofreram transformações radicais nos últimos meses, e isto é claro afeta o trabalho, ainda mais de quem tem a expressão humana como ofício. Alguns amigos têm estranhado a oscilação de humor e aspecto que tenho tomado, fruto também dos ups and downs usuais de vida e trabalho. Então cheguei a conclusão de que tenho vivido estes processos muito intensamente, de uma forma um pouco mais exagerada do que tinha vivido antes. Talvez seja a idade, ou o espírito, não sei.

 

De toda forma, tenho notado também que por mais intensa que esteja a minha vida e por mais importância e peso que tenha dado às coisas, tenho aprendido a lidar com meus mecanismos. Neste sentido, o teatro, enquanto reflexão constante e direta sobre emoções e sentimentos (que ocorre num certo tipo de teatro verborrágico, com poucos elementos cênicos e foco dramático exposto de forma escancarada ao público), tem me ajudado bastante. Tem feito, de certa forma, me tolerar por estar me extinguindo, ao mesmo tempo em que diminuo o ritmo, contemplando as coisas de forma mais delongada, ainda que profunda.

 

A conquista de uma intimidade com o meio parece mesmo que só pode advir de uma vivência plena, que no meu caso pressupõe um envolvimento criativo, e não apenas contemplativo. E então notei que lembro de todos os momentos intensos do meu dia enquanto estou passando o texto com os atores, enquanto penso em soluções de cena e caminhos de pontuação dramática, enquanto concebo não mais recluso a uma tela bidimensional mas a um espaço que, embora limitado, se torna infinito na sua relação imediata com o público. Parece uma espécie de triunfo do sensorial diante do cognitivo, sem é claro desconsiderar a complexidade de fruição que o cinema também propõe.

 

Isto pra dizer que tenho me consumido, sim — mas por outro lado, tenho aproveitado melhor meus momentos de trânsito entre uma atividade e outra. Tenho caminhado mais, e mais devagar. Tenho visto mais coisas. Tenho tido mais idéias. Mais angústias também, mas em compensação mais vontade de fazer as coisas darem certo. E sentindo o tempo cada vez menor, sinto um momento cada vez mais potente. E ao contrário do que se poderia esperar, estou ansiosíssimo pra voltar a trabalhar com cinema depois dessa experiência toda.

 

E longa vida ao teatro. Muito prazer em conhecer…

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