29 março 2006

Modernidade Ultrapassada

Recentemente me descobri tecnófobo.

Pra quem não sabe, trabalho com um meio que era tecnologia antes de se tornar arte: o Cinema. E por curiosidade intelectual, pragmatismo de produção e vontade de viabilizar coisas, terminei me envolvendo com um conhecimento um pouco mais aprofundado de certos procedimentos técnicos, em várias etapas da complexa cadeia de produção cinematográfica. Essa “fama” que eu terminei criando advinda dessa curiosidade – ou necessidade de tomar as rédeas dos meus projetos artísticos – terminou me tornando, entre outras coisas, professor universitário e diretor de desenvolvimento e tecnologia do Sindicato Audiovisual de Pernambuco. Vai entender por quê...

De toda forma, isso não tira o fato de que, apesar de compreender os processos e até ter um domínio tal que me permita dar pitaco, a transição para certas rotinas assim ditas “pós-modernas” ainda é lenta e dolorosa. Isso de baixar música, filmes e tudo o que der na telha, por exemplo; isso de ter um celular, de cadastrar fulano por fulano com fotos e toques personalizados a cada ligação; isso de dar um upgrade no meu velho IBM Aptiva 97, que vinha funcionando perfeitamente (pelo menos para o pouco de tecnologia que exploro) por conta de novos e ameaçadores vírus e por conta das mil e uma possibilidades que só as tecnologias recentes oferecem; isso de criar uma auto-disciplina que garanta a atualização freqüente do seu blog sem a pressão útil de um editor cobrando seu texto ( mea culpa, prometo tentar ser mais assíduo nos novos posts); enfim, toda essa lógica de obsolescência inevitável a que estamos cotidianamente submissos.

Pois é, confesso essa minha condição. Isto porque não se trata apenas de compreender os novos processos técnicos – esta é a parte fácil. Complicado mesmo é organizar os novos processos pessoais para lidar com isso, para aproveitar isto da melhor forma possível. Enfim, trata-se de algo bem mais difícil para a espécie humana: reformular seus hábitos.

E aí coincidiu, paralela, perpendicular ou tangente a esta minha descoberta (sempre fiz confusão também com geometria), que eu estava também reformulando minhas atividades profissionais. Pensei, valendo-me de algum estudo, trabalho e interesse nas mídias e formatos (técnicos e de linguagem) que estão surgindo, tentar aplicar meu conhecimento narrativo a este novo contexto de mídia. Também sucedeu que o webzine que abrigava a coluna de mesmo nome que terminou virando este blog foi finalizado e que eu, como se não tivesse mais nada pra fazer, decidi tentar meu mestrado este ano.

Enfim, muita coisa acontecendo ao mesmo tempo, e dada a notória velocidade do fluxo de informações e acontecimentos do que alguns convencionam chamar de pós-modernidade terminaram me fazendo pensar que não vou dar conta do recado. Achei que a desculpa de ser tecnófobo ia me confortar – afinal de contas, é questão de hábito, é só fazer um texto menor, conceder algumas licenças de linguagem, simplifica, Leonardo! Mas o conflito pra adquirir esses hábitos acabou me deixando mais inquieto ainda.

Pra relaxar, fui começar a estudar pra elaborar meu projeto de mestrado – sendo sobre narrativas mais convencionais, não parecia ser tão ruim. O negócio é que, justamente pra entender linguagens narrativas no contexto em que estamos hoje, é inevitável compreender os mecanismos culturais dessa tal de pós-modernidade. Aí lá vou eu me perder em leituras sobre o assunto.

Uma das primeiras características que descobri foi que, do ponto de vista de observação e produção de um eventual conhecimento, a modernidade está constantemente se reinventando. Isto cobra do cara do lado de cá que está estudando uma postura eterna de avaliação e auto-avaliação. Quais minhas referências culturais que ainda sobrevivem neste contexto? Como elas são aplicadas a ele? O que acrescentam e de que se acrescentam? Enfim, em busca de respostas, parece que nos fazemos mais perguntas, e talvez seja mesmo melhor não pensar muito a respeito.

Mas como venho de uma geração (ou de um contexto cultural, por escolha ou herança) que necessita concluir pelo menos momentaneamente as coisas, vou tentar escrever mais um ou dois parágrafos, procurando não encher muito o saco. Nem que a conclusão seja a constatação de que não há uma conclusão, que esta é a lógica pós-moderna, essa cultura de conceitos líquidos que se tornam sínteses antes de formarem princípios. Afinal, logo enfrentaremos problemas práticos. Um exemplo: se a TV chegar a se tornar uma mídia tão interativa como se espera, que utilidade terá o investimento num comercial de 30 segundos de um pequeno, médio ou mesmo grande anunciante? E mesmo em contextos de mídia já existentes, como as TVs por assinatura, como definir o perfil do receptor da mensagem? Enfim, para que público falamos?

Engraçado que hoje de manhã conversava com um amigo sobre essa questão de público. Ele acredita piamente que o público pode ser “formado”, mais do que “rastreado”: remake de “Sinhá Moça” com textura digitalizada de cinema, intercâmbio de elementos de linguagem e o diabo a quatro. No entanto, ao invés de isso tornar mais fácil o trabalho dos emissores da mensagem, acho que pode ser mais laborioso – e é bom que assim seja. De toda forma, qualquer linguagem parece ser possível, desde que comunique algo expressivo e significativo.

E se for assim, bem, sem querer ser idealista ou ingênuo, acho que essa coisa toda pode ser interessante, mesmo para um tecnófobo.
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